domingo, 10 de outubro de 2010

O deputado eleito Gabriel Chalita fala sobre a onda de boatos e mentiras...

 Faz tempo que nao posto nada. Mas achei esse video elucidativo  num momento em que conviccoes religiosas estao sendo usadas de forma muito negativa com fins meramente "eleitoreiros". Todo mundo tem a liberdade de pensar o que quiser, votar em quem quiser e argumentar a favor ou contra projetos e candidatos politicos. No entanto, ganhariamos muito mais se estivessemos discutindo o pais durante as eleicoes ao inves de semeando boatarias e mentiras com os fins mais mesquinhos possiveis, e o pior, levando a religiao a desempenhar um de seus papeis mais terriveis, que eh o de ser mero instrumento de interesses politicos e economicos.

domingo, 25 de julho de 2010

Uma Semana Distante

Daqui ha algumas horas embarcarei para Honolulu, para participar do XX Congresso Batista Mundial. Como parte do staff trabalhando naquele congresso, penso que sera dificil publicar alguma coisa no decorrer desta semana. Sera a minha primeira participacao nesses congressos que acontecem a cada cinco anos. Certamente, terei novidades quando voltar de la. Essa semana tambem trara um outro evento importante, o qual vou perder por estar em Honolulu: a final da Copa do Brasil. Meu Vitoria enfrenta os Meninos da Vila. Quem levara? Veremos. A depender do meu espirito depois das finais, escreverei um texto sobre futebol.  Vejo voces em breve. Uma boa semana!

Teologia da Libertação e Teologia da Missão Integral: Duas Teologias Contextuais Latino-Americanas

Segue abaixo o que consegui recuperar da minha fala no encontro "TRANSFORMANDO A MISSÃO:JUSTIÇA – ESPIRITUALIDADE – CIDADANIA, realizado em Salvador-BA, de 7 a 10 de outubro de 2009. Mantenho a linguagem informal, propria de apresentação oral sem intuito de publicação. Partilho-a aqui, para contemplar os pedidos recebidos de copia daquela fala.

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Antes de mais nada, gostaria de registrar a alegria de estar participando desse evento e ter a honra de fazer isso na presença de duas pessoas a quem muito admiro, e que tem servido de inspiração para todos nós. Primeiramente, o Pe. José Comblim, que além de ser o teólogo que é, pela sua forma de viver nos inspira e desafia profundamente. Pe. Comblim, aqueles que dizem que a Teologia da Libertação morreu não sabem o que falam. Olha pra isso aqui! Esse encontro com tanta gente jovem, representando tantas igrejas diferentes, não existiria sem a teologia da libertação. Por outro lado, acho que nem mesmo os primeiros teólogos da libertação imaginaram os desdobramentos e possibilidades existentes naquilo que começaram. Creio que jamais pensaram que "crentes" e pentecostais iriam absorver seus ensinos um dia. Ouvi muita gente nos EUA repetindo o mantra de que a teologia da libertação já passou. Lembrei-me do Gustavo Gutierrez dizendo que ela pode até mudar de nome, mas enquanto existir pobreza, exploração e injustiça na terra, haverá necessidade de alguma forma de teologia da libertação. Obrigado por sua perseverança e obrigado por estar aqui conosco, contribuindo de forma especial com as discussões desse encontro.


A outra figura a que me refiro é o Pr. René Padilla. Tive a oportunidade de ler grande parte de seus escritos. Como eles nos têm inspirado! Acho que a maioria de nós aqui poderia contar uma história semelhante à que o Pr. Wellington Santos nos contou na primeira noite, mesmo sem o brilhantismo da sua forma única de se comunicar. A nossa geração, que cresceu durante o sistema opressor da ditadura militar e se converteu nesse período, aprendeu um evangelho que se preocupava só com a alma e com a eternidade. Na entrada da igreja onde cresci estava escrito: onde passarás a eternidade? Não tivemos instruções para lidar com os problemas sociais que nos cercavam. Tínhamos que andar pelo tato e, às vezes, como Wellington colocou, com as consciências cheias de culpa ou ao menos com grandes dúvidas. Assim, por exemplo, me sentia, quando me envolvi pela primeira vez com o movimento estudantil, na época das Diretas Já. De um lado via colegas meus sendo acusados de comunismo e sendo perseguidos por isso; do outro, como um cristão batista, temia o fato de estar me aproximando muito daqueles "comunistas". Sendo oriundo de uma família pobre, aos 18 anos já  estava no mercado de trabalho, onde participava ativamente do movimento dos trabalhadores e das greves daquele tempo. No entanto, nada disso podia ser refletido e processado no contexto da minha fé evangélica, uma vez que essas coisas eram consideradas pecado, sem qualquer espaço para discussão, nas igrejas onde fui criado.


Em 1989, já no seminário, ao participar da campanha pró-Lula, mencionada por Wellington aqui, a coisa foi pior. Fui ameaçado de expulsão pelo seminário que estudava, acusado, entre outras coisas, de comunismo. Ouvia frequentemente que o seminário, não eram lugar para gente como eu. Nesse contexto, pastor René, onde teologia da libertação era um tremendo palavrão e não poderia ser nem discutida , fui apresentado à teologia da missão integral, e em particular aos seus escritos, aos escritos do Samuel Escobar e aos escritos do saudoso Orlando Costas.  O senhor não tem idéia do quão alentador foi para mim e para muitos da minha geração poder ter acesso ao que o senhor e seus companheiros estavam escrevendo. Esses escritos nos resgataram, nos abriram um novo horizonte, nos mostraram novas possibilidades de caminhar. Foi inclusive esse contato com a Teologia da Missão Integral que posteriormente me conduziu a um contato maior com a Teologia da Libertação. Muito obrigado, Pe. Comblim. Muito obrigado, Pr. René Padilla, pela caminhada, pela coragem, pela luta, pela vida de vocês. E que honra poder participar hoje, alguns anos mais tarde, desse evento com vocês dois.


Tendo dito isso, preciso dizer para todos os que de alguma forma se identificam com os sentimentos que expresso de gratidão e de identificação com esses legados que a melhor forma de preservarmos e alimentarmos um legado teológico,  não é transformando-o numa verdadeira vaca sagrada da nossa vida cristã, mas é engajando-o num diálogo crítico, que reconheça e valorize o trabalho desses homens e mulheres que nos antecedem na caminhada crist, mas que ao mesmo tempo construa a partir de um novo lugar histórico, que é a realidade contextual onde cada um de nós se encontra. Não pode existir homenagem maior que essa, nem amor maior a um legado que esse.


Ontem, alguém perguntou ao Pr. Ricardo Gondim, onde ficam os clássicos, qual o lugar deles para nós, quando levantamos tantos questionamentos, quando tocamos em tantas vacas sagradas. Ele sabiamente perguntou de volta: quais dos clássicos? Eu ousaria dizer que há um lugar de reverência no nosso teologar para com todos os clássicos da teologia cristã, e que quando os engajamos criticamente não os estamos desprezando. Pelo contrário, estamos mantendo-os vivos e estamos reconhecendo o seu valor. Matam-nos os que os cristalizam e os repetem cegamente, sem contribuir em nada com a construção da história que os sucede e só pode continuar na medida em que nós temos a coragem de os engajar a partir de nossa própria realidade, com nossas próprias questões e com nossas novas elaborações. Isso vale para a forma como olhamos os grandes teólogos e teólogas do passado, como Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino, Lutero, Calvino, ou alguns dos teólogos anabatistas. Isso vale, por outro lado, para os grandes eventos históricos do passado mais distante, como a Reforma Protestante. E isso também vale para eventos mais recentes na história da igreja, que incluem o Congresso de Lausanne, em 1974, que ao meu ver tem sido indevidamente transformado num Concílio. As conclusões expressas em seu documento final, o Pacto de Lausanne, ao invés de serem consideradas historicamente--o que reconheceria seu lugar e contribuição única na história recente do protestantismo no mundo--tem se transformado quase que numa declaração definitiva, usada para medir quem é da missão integral e quem não é. Tem gente que diz:  "Esse pessoal da FTL no Nordeste do Brasil, lidando com questões de gênero e sexualidade, falando em ecumenismo e diálogo interreligioso, e outras coisas mais...sei não... isso não está no Pacto de Lausanne; está fora das balizas da . missão integral." Que serviço se presta com esse tipo de atitude a um legado tão rico e precioso?

Pois bem, o tema desse congresso é “Transformando a Missão”. A inspiração desse tema vem, entre outras coisas, do livro clássico do David Bosch, Transforming Mission, traduzido para o português como “Missão Transformadora”. Tal tradução não faz jus ao título original, em inglês, pois a expressão “transforming mission” diz respeito não apenas a uma missão que transforma algo, mas que também se transforma, que é transformada na medida em que avança. Nesse livro que hoje é um clássico da missiologia, Bosch está tanto preocupado em discernir as melhores maneiras como a igreja cristã pode exercer seu papel transformador no mundo, quanto mostrar de que formas ela é e tem sido transformada pelo encontro com novos contextos, valores e perspectivas culturais. Eu diria que é dentro dessa perspectiva que admite que a missão está em contínuo exercício de transformação para dentro e para fora que estamos reunidos aqui. Alguns pressupostos por trás disso são os seguintes:

1) Todas as nossas percepções e todas as nossas construções são percepções e construções em perspectiva. É parte da natureza humana a nossa limitação temporal e espacial. Então, ao contrário do que muitos fundamentalistas tentam dizer, o problema quando levantamos questões, quando relemos e reinterpretamos a Bíblia, e quando a mantemos aberta para tais possibilidades, não está necessariamente no fato de questionarmos a revelação divina, mas no de admitirmos a parcialidade e as limitações da nossa própria capacidade de perceber e entender a revelação. Quando nos damos conta disso, somos levados a nos posicionar de forma mais aberta e humilde, diante do sagrado.

2) Entendemos que todo trabalho humano na face da terra produz transformação. Isso, da mesma forma está na base da nossa compreensão do humano. Isso é virtude e defeito nosso, como seres humanos. Mas sendo um ou outro é inerente ao que somos. Somos seres incompletos. Como nos lembrou Rubem Alves num de seus livros mais clássicos, ao contrário dos outros animais, não possuímos tudo o que precisamos imbutidos em nossos próprios corpos. Por nossas limitações, precisamos da linguagem para nos comunicar uns com os outros, sendo assim animais simbólicos. Damos sentido às nossas ações. Temos uma sede de sentido, de significado, em tudo o que fazemos. Por isso, construímos a história, sendo eternos nômades, se não no sentido geográfico, ao menos tendo almas nômades, que existem em constante inquietude. Soube ontem que o Pe. Comblim, aos 87 anos, está de mudança, para iniciar mais um trabalho, para aprender com as comunidades ribeirinhas.


Transformação é parte inerente de quem somos, reconheçamos isso ou não. Isso vale até mesmo para fundamentalistas que pensam tudo em termos de conservação, de manutenção da verdade pura e única. Eles também mudam, ainda que não o admitam. Alguns fundamentalistas brasileiros seriam um escândalo para a percepção de mundo de alguns fundamentalistas americanos, e vice-versa. Muitas das nossas igrejas mais conservadoras no Brasil ficariam escandalizadas se soubessem que o dinheiro das ofertas missionárias que vinha dos Estados Unidos financiar a evangelização do Brasil resultava do trabalho nas plantações de fumo, ou que hoje em dia algumas dessas ofertas podem estar vindo de fabricantes de armas. Muitos cristãos um dia defenderam a escravidão e a segregação racial justificando suas posições com base na interpretação que davam às escrituras na época. Hoje, mesmo as teologias mais conservadoras entendem essas coisas como um pecado grave. Aqui no Brasil, muitos pastores defenderam a ordem política existente durante os 21 anos de ditadura, usando leituras e versículos da Bíblia para isso. Hoje alguns têm até vergonha de pensar que assim procederam. Queiramos ou não, somos seres em transformação.


3) Quando partimos para uma análise do cristianismo, nos damos conta de que entre as grandes religiões, talvez não há qualquer outra com mais capacidade de auto-transformação e de sincretização no encontro com novas realidades do que a religião cristã. Kwame Bediako, um missiologista de Gana, tem usado o termo “a tradutibilidade do evangelho” para se referir às várias mudanças históricas no epicentro do cristianismo. Se tomarmos especialmente as religiões monoteístas, nenhuma chegou nem perto de passar por transformações mais radicais na sua compreensão de mundo do que o Cristianismo, que começou na palestina, depois teve parte da sua formação no norte da Africa, depois se tornou europeu , posteriormente norte-americano, e que ultimamente tem se movido de novo na direção do sul, tornando-se mais latino-americano, asiático e africano. Em cada fase dessas, o cristianismo assumiu uma face diferente. Na visão do Bediako e de outros missiólogos, estamos vivenciando o processo dessa última transição na direção do sul. Tal transição  mudará a face do cristianismo mais uma vez nos próximos anos, com conseqüências que ainda estamos por ver. Ou seja, se há uma religião que sabe lidar com a realidade da transformação é a cristã.


4) Do ponto de vista da nossa localização histórico-teológica, tanto a teologia da libertação quanto a teologia da missão integral estão no ramo das chamadas teologias contextuais. Ambas se opuseram ao fato de que por alguns séculos as teologias produzidas na Europa e nos Estados Unidos se afirmaram como “teologia”, pura e simplesmente, alegando a universalidade de suas construções teológicas, tratadas basicamente como definitivas. Há alguns anos, na maior parte dos nossos seminários, estudar teologia era um exercício basicamente de memorização. Sabia mais quem era mais capaz de citar teólogos europeus e norte-americanos. As discussões eram decididas com uma citação de algum grande teologo. Uma das pessoas que mais contribuíram para nos libertar dessa falácia foi Richard Shaull, missionário norte-americano que ensinava no Seminário Presbiteriano de Campinas. Apesar de ter apresentado pela primeira vez teólogos importantes como Dietrich Bonhoeffer e Paul Lehmann aos seus estudantes brasileiros, dizia, nos seus exames: "eu não quero saber o que Tillich disse, ou o que Lehmann disse. Eu quero saber o que você pensa, e que sentido pode fazer alguma coisa que eles disseram para a realidade brasileira, para os problemas que vocês estão enfrentando aqui na realidade urbana e industrial de Campinas." Aí ele dizia que se eles quisessem mesmo aprender teologia deveriam ir trabalhar nos pátios das fábricas, se filiar aos sindicatos, participar da vida do povo. Dali nasceram os primeiros experimentos brasileiros dentro dos moldes do que viriam a ser as comunidades eclesiais de base a partir da década de sessenta.


Tanto a TL como a Teologia da Missão Integral surgiram da compreensão de que a revelação de Deus se dá no contexto da história; que a interpretação das Escrituras não pode acontecer de forma abstrata e que as ferramentas de interpretação não são universais; que a forma do Evangelho se manifestar na América Latina não é a mesma que se deu no contexto norte-americano ou europeu, e que, portanto, suas interpretações bíblico-teológicas não podem ser universalizadas. Alguns teólogos católicos, seguindo o Vaticano II, usaram uma palavra italiana para falar sobre isso: aggiornamento, que se referia a uma adaptação, uma nova apresentação dos princípios católicos ao mundo atual. Os protestantes, ligados à missão integral falaram mais de contextualização, da consideração da cultura, do contexto sócio-histórico-cultural na interpretação bíblica e na vivência e propagação do evangelho. Tanto a TL como a Teologia da Missão Integral, como nos lembrou René Padilla ontem à noite, se afirmaram como teologias inacabadas, em construção contínua. E não poderia ser diferente, pois essas teologias afirmam sua contextualidade, não tendo pretensão universal. Aqui, erram mais uma vez os que se precipitam em declarar a morte da teologia da libertação, pois ao analisá-la como se ela fosse um corpo dogmático, fechado, completo, abordam seus temas clássicos, sem perceber os desenvolvimentos posteriores, suas transformações e multiplicações, inclusive sob formas já não identificadas como sendo Teologia da Libertação.


Sendo assim, congressos e encontros como esse são muito importantes para o desenvolvimento dessas teologias contextuais. Se entendemos a necessidade e a realidade da transformação inerente ao nosso teologar, precisamos nos dar conta do que está se passando. Esse é o papel da linguagem teológica: ler e interpretar o livro da vida, como nos lembra Carlos Mesters. Ganharemos mais aqui se nos desarmarmos e pararmos para ouvir com mais atenção uns aos outros. Esse não é um encontro da academia. Esse é um encontro da igreja. Todos os teólogos e teólogas aqui tem jornada dupla de trabalho, mesmo os que ensinam nas universidades e nos seminários. São todos homens e mulheres engajados na realidade eclesiástica e na luta solidária pela construção do Reino, ou dos sinais do Reino de Justiça--como preferirem dizer. Diferentemente dos encontros, por exemplo, da Academia Americana de Religião, onde ouvimos teses brilhantes de professores e professoras renomados que nunca tiraram a bunda da confortável poltrona de onde enxergam e interpretam o mundo, esse encontro aqui se parece mais com uma reunião de trabalhadores e trabalhadoras que labutam em diferentes frentes no dia-a-dia, lidando com pessoas, com estruturas reais de opressão, com as contradições das realidades eclesiásticas, e que se reúnem para se retroalimentar e aprender um pouco mais com as experiências e as reflexões de seus companheiros e companheiras antes de voltar ao campo para continuar a labuta. Então, nesse ambiente, somos desafiados a ouvir com ouvidos, mentes e corações mais abertos uns aos outros. Por que nos revoltamos? Por que questionamos coisas que pareciam inquestionáveis? De onde vem nossos questionamentos? Certamente, todos vem de uma caminhada engajada, comprometida, sofrida e muitas vezes marginalizada. Essa é a forma como alguns de nós tem experimentado o ministério cristão, e é no calor dessas muitas lutas que nossas reflexões tem se forjado.


Nesse encontro, homenageamos e reverenciamos aqueles que nos precedem levantando questionamentos sobre os caminhos que aprendemos deles. A melhor homenagem que podemos prestar-lhes, e a melhor forma de mantermos vivos seus legados é levantando novas questões, em continuidade com as questões que eles levantaram.

Os primeiros teólogos da libertação expuseram a realidade da constante luta entre capital e trabalho, e da grande exploração por parte dos detentores dos meios de produção para com as multidões de trabalhadores e trabalhadoras que tinham apenas seus corpos e suas mentes para entrar numa pseudo-parceria entre trabalho e capital. Um entra com os meios de produção e o outro vende a única coisa que tem: o seu corpo, sua força braçal, e a sua mente, sua força intelectual, ambos por um preço ditado por quem tem mais força. Os primeiros teólogos da libertação  usaram uma ferramenta de análise social marxista. Ela pode ter falhado nas suas proposições de alternativas. Mas sua crítica aguda à natureza do modelo do capitalismo moderno continua não respondida. Os primeiros teólogos da libertação leram a Bíblia e descobriram um Deus que se opõe a toda forma de injustiça e opressão. Um Deus que se identificou com escravos, com pobres, viúvas, órfãos, estrangeiros e cuja revelação mais plena se deu na figura de um homem que foi condenado à pena capital como um criminoso pelo império romano, com apoio ou conivência das organizações religiosas da época. A partir da leitura da sua propria realidade, leram a Bíblia e a partir da leitura da Bíblia leram a sua realidade, com os olhares e as limitações próprias da época.


Muitos à época não tinham se dado conta dos desdobramentos naturais daquela forma de pensar e não atentaram para questões que se tornariam tão comuns em nossos dias, como as questões de gênero apresentadas de forma tão brilhante na mesa de ontem pela manhã. Foi na esteira daquelas primeiras reflexões teológicas na América Latina que vieram também a teologia negra latino-americana, as teologias de gênero, as discussões eco-teológicas, a questão da religiosidade popular, do pluralismo religioso, e outras tantas que não temos ainda capacidade de enxergar e que se manifestarão futuramente. Além do mais, até hoje muitos teólogos e teólogas da libertação não foram capazes de enxergar o rebuliço que vem acontecendo no seio da igreja evangélica no campo da ação social, inclusive em ambientes pentecostais, como sendo resultados, diretos ou não, do labor inicial da TL. Assim, o que o penso é que a teologia da libertação continua em construção, usado novas ferramentas, para além das usadas pelos que já podemos chamar de teólogos clássicos da libertação, e tomando novas formas, algumas das quais não antecipadas por eles.



 Por varias razoes que nao vou discutir aqui, estou localizado dentro do setor evangélico da igreja brasileira identificado com a idéia da missão integral. Ela, como disse mais cedo, foi minha via de escape do fundamentalismo, e me ofereceu uma nova forma de ver o evangelho e o mundo. Por isso, sinto-me mais a vontade para tentar contribuir com a teologia da missão integral, através do levantamento de algumas questões.


Numa conversa com o Orivaldo Jr., falávamos sobre a necessidade de formarmos uma coalizão entre as alas representantes de um cristianismo mais progressista no Brasil, sob o risco de acabarmos engolidos ou massacrados pelas tropas de choque do fundamentalismo, ainda tão vigente. Acho que é isso que estamos propondo nesse congresso, ao colocarmos representantes da missão integral da igreja, da teologia da libertação e do movimento ecumênico, conciliar em diálogo. Penso que temos muito mais coisas em comum do que imaginamos. Temos algumas prioridades semelhantes. Essas diferentes abordagens teológicas, por exemplo, vêm a questão da justiça como essencial ao Evangelho de Jesus Cristo. Todas essas correntes devem mais umas às outras historicamente do que reconhecem. O movimento ecumênico deve muito ao movimento missionário protestante. A teologia da libertação deve muito, como foi dito ontem à noite pelo René Padilla, ao movimento protestante ecumênico na América Latina. E a Teologia da Missão Integral deve muito mais do que admite tanto ao protestantismo ecumênico como à teologia da libertação. A teologia da missão integral surgiu no fim da década de sessenta na América Latina como uma resposta dos setores conservadores da igreja evangélica latino-americana que não se identificavam com o fundamentalismo dominante no seio de várias dessas igrejas evangélicas às ações e provocações trazidas tanto pelo movimento igreja e sociedade, parte do ecumenismo protestante latino-americano, como pela teologia da libertação. Sem essas provocações tal resposta não teria existido, ao menos na forma em que surgiu. Mesmo partindo de um pequeno grupo de teólogos evangélicos, o movimento não é uniforme, havendo dentro da própria gênese da teologia da missão integral uma ala mais conservadora, mais alinhada ao evangelicalismo norte-americano, e uma ala mais progressista. Tendo nascido na América Latina, a teologia da missão integral ganhou visibilidade internacional por causa do Congresso de Lausanne, apoiado pela fundação Billy Graham. Mas, ao meu ver, as linhas orientadoras desse congresso eram mais conservadoras do que a teologia da missão integral que surgia na América Latina.


No que ha de melhor nele, o Pacto de Lausanne reflete as falas desses teólogos latino-americanos com sua preocupação com a responsabilidade social da igreja. Mas, por sua visão estreita do sentido de evangelização, Lausanne afirma uma dicotomia entre evangelização e responsabilidade social da igreja, priorizando a primeira. Só que, mesmo diante dessa incursão tímida no campo da responsabilidade social, houve importantes desdobramentos históricos, como os CLADEs, os Congressos Nacionais de Evangelização no Brasil e outros encontros em diversas partes do mundo que continuaram refletindo e avançando na percepção da questão da justiça social como tema central para a compreensão do evangelho e da missão da igreja nos contextos onde estavam inseridos. Por outro lado, ao meu ver, o congresso conhecido como Lausanne II, reagiu a esses desdobramentos talvez inesperados, tendo caráter ainda mais conservador do que Lausanne I, inclusive nas suas escolhas de oradores e representantes da América Latina. Enquanto isso, especialmente nos CLADEs III e IV, surgiam os primeiros indícios de diálogo e cooperação entre a teologia da missão integral e a teologia da libertação na América Latina. E de lá para cá, muitas outras aproximações e contribuições nesse sentido tem ocorrido.

1- Sendo assim, minha primeira observação com relação à teologia da missão integral é que precisamos recontar nossa história partindo do começo, não da metade. Sem negar a importância histórica de Lausanne, não podemos evevar a declaração daquele congresso dando-lhe carater final, ou validade universal e a-histórica. Isso negaria a nossa própria essência.

2. Sugiro ainda que precisamos repensar nosso conceito de missão integral superando a dicotomia evangelização e responsabilidade social presente no Pacto de Lausanne.

3. Outra dicotomia a ser superada é aquela entre leitura da realidade e leitura da Bíblia. Gosto do que Frei. Carlos Mesters diz sobre isso:
“Interpretar a Bíblia sem olhar a realidade da vida do povo de ontem e de hoje é o mesmo que manter o sal fora da comida, a semente fora da terra, a luz debaixo da mesa. Por que a realidade da vida é tão importante para a gente poder entender a Bíblia? É porque a Bíblia não é o primeiro livro que Deus escreveu para nós, nem o mais importante. O primeiro livro é a natureza, criada pela Palavra de Deus; são os fatos, os acontecimentos, a história, tudo o que existe e acontece na vida do povo; é a realidade que nos envolve; é a vida que vivemos. Deus quer comunicar-se conosco através do livro da vida. Por meio dele Ele nos transmite sua mensagem de amor e de justiça."


Mesters entao mostra que por causa do pecado não podemos perceber claramente o apelo de Deus que existe dentro da vida que vivemos. Entao, Deus escreve o segundo livro, que é a Bíblia, que não veio substituir o primeiro, mas nos ajudar a melhor entender o sentido da vida e a perceber mais claramente a presença da palavra de Deus dentro da nossa realidade. Gosto tambem da teologia negra norte-americana, que nunca fala de Deus sem referência à humanidade, nem da humanidade sem referência a Deus. Deus e ser humano, Escrituras e vida real, tudo profundamente interligado.


3- Finalmente, penso que precisamos pensar sobre a dicotomia igreja e sociedade. Ainda vejo uma dicotomia muito grande no meio evangelico entre igreja e mundo. E penso que a missao integral pode elaborar mais essa relacao. Obviamente, um dialogo com pensadores como Richard Shaull e com a propria TL poderiam ser de grande ajuda.


Os teologos e teologas da TL, por outro lado, ganhariam em ver esse teologar que tem ocorrido por mais de 40 anos em alguns setores conservadores da igreja evangelica brasileira tambem como um desdobramento do seu labutar teologico e da sua propria transformacao. Uma maior aproximacao e dialogo entre essas duas formas de teologar na America Latina produziriam, ao meu ver, uma renovacao e ampliacao do impacto dessas teologias no contexto latino-americano.


Essas são apenas algumas provocações para que possamos continuar construindo a partir desses legados tão importantes que herdamos.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Outro artigo na Novos Dialogos - Realismo Cristão e Teologia da Libertação: Teologias do Norte e do Sul em Diálogo

Escrevi esse artigo ha alguns anos, quando ainda me encontrava em Princeton. Foi originalmente publicado em ingles, no Koinonia Journal. Posteriormente, foi traduzido pelo Dr. Benedito Bezerra e publicado na Revista Episteme, do STBNe. Penso que a re-publicacao pela Novos Dialogos o disponibilizara para um numero maior de pessoas. Apesar de abordar uma discussao de cunho mais academico, penso que seu conteudo pode tambem interessar a leitores e leitoras, em geral, que queiram comprender melhor duas abordagens diferentes sobre a natureza humana, com desdobramentos de ordem pratica, a partir da discussao de suas percepcoes de temas como pecado/graca, amor, justica e poder. Coloco abaixo o trecho da chamada do artigo na Novos Dialogos, e o link, para quem se interessar em le-lo.


"Enquanto o realismo cristão de Niebuhr foi amplamente reconhecido como uma das mais influentes teorias cristãs no campo da ética social e da filosofia política no século vinte, a teologia da libertação causou um surpreendente impacto não só sobre a América Latina, mas também sobre outros povos pobres e deserdados espalhados pelo globo."

"ambas as teorias preocupam-se seriamente com justiça social, igualdade e liberdade. Para Niebuhr, o amor é um padrão ideal, e a justiça é a afirmação desse padrão nas relações sociais. Para a teologia da libertação, por outro lado, amor e justiça coexistem e não podem ser compreendidos separadamente. A solidariedade com os pobres é um ato de amor, e as lutas pela libertação, um ato de justiça."

http://www.novosdialogos.com/artigo.asp?id=221

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Homenagem a Robert (Bob) Bratcher, tradutor da Biblia na Linguagem de Hoje


Recebi a notícia, por uma amiga, no último fim de semana, do falecimento de Bob Bratcher, tradutor da Bíblia na Linguagem de Hoje e da sua correspondente americana, the Good News Bible, aos 90 anos, no último dia 11 de julho.

Tive o privilégio de conhecê-lo, há uns 3 ou 4 anos. Brasileiro, filho de missionários que viveram e trabalharam no Brasil por mais de trinta anos, Bob Bratcher era uma figura muito simpática e interessante. Fiquei impressionado com a mente aberta e arejada daquele velhinho que quando conheci ja tinha quase 87 anos. Muito me admirou tambem sua simplicidade e coragem moral. Um dos editoriais recentes que li sobre sua morte descrevia-o como "um homem que disse a verdade."


O carinho pelo Brasil era evidente. Quando nos conhecemos, falava de uma possivel ida ao Brasil para celebrar os 80 anos de batismo, na PIB do Rio de Janeiro. Seu nome foi envolvido em certas controvérsias, por causa de algumas declarações corajosas que teria dado na década de 80 condenando a atitude fundamentalista na abordagem da Bíblia, o que ao seu ver so poderia resultar de uma grande ignorancia ou de desonestidade intelectual. Obviamente, foi demonizado por isso. Fundamentalistas são donos de verdades inquestionáveis, e em muitos casos são ricos e poderosos. Boicotaram a Sociedade Bíblica Norte-Americana e condenaram a sua tradução da Bíblia como herege.
 
Nada disso, porém, conseguiu apagar a enorme contribuição que esse intérprete e estudioso da Bíblia ofereceu durante toda a sua vida, nem o impacto que a Bíblia que ele traduziu de forma mais acessível tem tido na vida de inúmeras pessoas, tanto na língua inglesa como na portuguesa. A historinha que melhor ilustra isso é a de uma garotinha de 11 anos, que ao ler uma passagem na Good News Bible teria dito ao pai: “papai, nem parece que é a Bíblia; estou entendendo tudo!”

Alem de ser um grande “scholar”, Bob Bratcher foi uma pessoa seriamente comprometida com as causas da paz e da justiça, sempre se posicionando ao lado dos mais pobres e vulneraveis. A despeito da idade avançada, Bob Bratcher ainda conduzia classes de estudos bíblicos em sua igreja, em Chapel Hill, North Carolina, e fazia parte de uma equipe nessa igreja que coordena a parceria com uma congregação batista brasileira, num bairro pobre de Salvador. Foi uma enorme honra e privilégio tê-lo conhecido, ter jantado com ele e sua esposa, June, em sua casa, e ter desfrutado do carinho deles nas duas visitas que fiz a Binkley Memorial Baptist Church. Uma lembrança especial é a da alegria daquele lindo casal numa noite sertaneja promovida durante a visita que eu e o meu amigo, Pr. Wellington Santos, fizemos aquela igreja. Ela, inclusive, dançou  forró animadamente com o Wellington. Jamais me esquecerei da cena!


A foto acima marcou a última vez que os vi, há quase dois anos, no domingo em que celebravam os cinquenta anos de vida daquela igreja.


Para quem quiser ler um excelente artigo sobre o Robert Bratcher, em lingua inglesa, segue o link: http://www.abpnews.com/content/view/5344/9/

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Ainda Sobre a Década Batista de Combate ao Racismo

Como destaquei no post anterior, o Baptist Summit Against Racism, promovido pela Aliança Batista Mundial, em 1999, na cidade de Atlanta, resultou no Pacto de Atlanta, um documento através do qual os batistas condenaram veementemente o racismo como pecado e se comprometeram a combatê-lo em todas as suas formas. Juntamente com esse documento, foi lançada entre os batistas de todo o mundo a campanha de uma década de combate ao racismo, de 2000 a 2010. Não tenho como, pelo menos nesse instante, fazer uma investigação profunda sobre tudo o que se passou nesse período. Vale dizer que o novo livro que será lançado agora no final de julho, no Havaí, resgata algumas manifestações desta ênfase na vida da Aliança Batista Mundial, inclusive as que se deram nos últimos dez anos. O que pretendo aqui é simplesmente levantar algumas questões que podem estimular futuras reflexões e pesquisas.



Podemos considerar o Baptist Summit Against Racism, em 1999, e a campanha de combate ao racismo que resultou desse encontro, eventos realizados à sombra ou sob a influência historica das igrejas afro-americanas e particularmente do legado ético-social de Martin Luther King, Jr. Grande parte das reuniões se deu na Igreja Batista Ebenézer, igreja onde Dr. King foi criado, onde ele foi ordenado ao ministério e onde congregou no auge do movimento pelos direitos civis do qual foi um dos principais lideres. Momentos especiais do encontro aconteceram na Capela Internacional do Morehouse College, tradicional centro de formação afro-americano, onde ele também estudou. Alguns dos preletores desse evento foram companheiros de luta do Dr. King, e uma das participações mais esperadas foi a fala de sua viúva, D. Coretta Scott King, que também foi homenageada como diretora honorária do encontro. Martin Luther King Jr. foi citado em inúmeras falas. Seu espírito, suas palavras e as lembranças de suas ações permearam todo o encontro. Ele foi citado textualmente até mesmo no próprio Pacto de Atlanta, documento que resultou desse evento. Todos esses fatos confirmariam o que James E. Tull, no seu livro Shapers of Baptist Thought (originalmente publicado em 1972), afirmou ao colocar Dr. King entre os principais formadores do pensamento batista, classificando-o como um mártir do movimento afro-americano pelos direitos civis. Sua influência estaria presente na aplicação moral da força transformadora do evangelho a estruturas pecaminosas, perpetradoras da injustiça social e racial. O fato de que ele nasceu e foi criado numa família batista, foi ordenado ministro batista e permaneceu como tal até o dia de sua morte, mostra ainda que ser batista era parte significativa de sua identidade, a despeito de sua eminente ecumenicidade.


A proposta de uma década de combate ao racismo foi aprovada pelo Conselho Geral da Aliança Batista Mundial, reunido em Desdren, Alemanha, naquele mesmo ano. Algumas uniões ou convenções batistas, como por exemplo a União Batista da Grã-Bretanha, adotaram o Pacto de Atlanta e a ênfase no combate ao racismo e à discriminação  étnica, em geral, em seus programas.


A despeito de tudo isso, por que esse evento de tanto significado e seus desdobramentos foram tão pouco divulgados entre os batistas em algumas partes do mundo? Por que repercutiu tão pouco? Por exemplo, em meados de 2010, quando, às vésperas do XX Congresso Batista Mundial, estamos encerrando uma década batista de combate ao racismo, quantos batistas no Brasil, ou mesmo na América Latina, ao menos ouviram falar dela? Quantos artigos sobre a questão do racismo foram publicados nos nossos órgãos de imprensa? Quantas lições da Escola Bíblica Dominical discutiram o tema, ou usaram os estudos bíblicos sobre o mesmo gerados em Atlanta? Quantos sermões sobre justiça social e racial foram pregados dos púlpitos batistas latino-americanos na última década? Quantas campanhas foram feitas pelas diversas convenções e uniões batistas no mundo reproduzindo essa preocupação abraçada pela Aliança Batista Mundial? De que forma essa campanha, que, entre outras coisas, visava expressamente "desafiar as convenções e uniões batistas em todo mundo a confrontar ativamente as questões de racismo e ódio étnico em suas regiões", foi refletida na prática de nossas estruturas administrativas e educacionais? Se nada disso aconteceu, ou se tudo se deu de forma muito tímida, quais seriam as causas disso? O próprio espírito e legado de Martin Luther King Jr., ao qual fiz menção acima, não foi tão bem aceito assim entre alguns grupos batistas.  A que ponto seria Martin Luther King Jr. realmente uma importante influência na formação do pensamento batista contemporâneo?

No caso brasileiro, onde, assim como na maioria dos campos missionários do hemisfério sul, a maior força evangelizadora veio exatamente dos batistas do sul dos EUA, não é de se estranhar que até pouco tempo a informação de que Martin Luther King Jr. era um pastor batista era desconhecida da grande maioria dos batistas brasileiros e que seu pensamento teológico e moral, ou até mesmo a importante história do movimento que liderou, não entrassem nos currículos dos cursos de ética, teologia e história nos nossos seminários. Nesse evento histórico, em 1999, havia quatro batistas brasileiros presentes: eu, porque estudava na época numa faculdade teológica batista em Atlanta; um outro pastor batista brasileiro que morava na região; e apenas dois pastores vindo do Brasil. O presidente da Aliança Batista Mundial na época era brasileiro.

Por que demorou dez anos para esse pacto batista de denuncia e enfrentamento do racismo ser traduzido e publicado em português, e por iniciativa de uma revista teológica não denominacional? O que perdemos por termos ignorado todos esses desenvolvimentos nos ultimos dez anos?

Mesmo com esse atraso, a pergunta principal deve focar no presente e no futuro: Que impacto a leitura do Pacto de Atlanta, agora disponível em nossa língua, poderá causar sobre pastores/as e igrejas batistas no Brasil? De que forma será recebido? Certamente, muita coisa mudou na sociedade brasileira, no meio evangélico e nas igrejas batistas nacionais nos últimos dez anos. Espero viver uma outra década para ver o que virá adiante, e como essa bela iniciativa da Revista Novos Diálogos impactará a vida de evangélicos batistas e não batistas no Brasil.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Pacto de Atlanta (1999)

  Para quem tem interesse, o Pacto de Atlanta foi finalmente traduzido para o nosso idioma e publicado pela Revista Novos Diálogos. Ver Pacto: http://www.novosdialogos.com/artigo.asp?id=213


  
   Esse pacto é a declaração mais abrangente da posição da ALIANÇA BATISTA MUNDIAL (ABM) contra o racismo e o preconceito étnico. Resultou do Encontro Internacional de Batistas Contra o Racismo e Conflitos Étnicos realizado em Atlanta (Geórgia, EUA), em Janeiro de 1999, do qual eu tive o privilegio de participar. Resgato aqui uma foto que relembra o breve contato com a Coretta Scott King, esposa de Martin Luther King Jr., naquele memorável encontro. Esta foto foi achada nos arquivos da ALIANÇA BATISTA MUNDIAL. Foi um dos momentos especiais daquele evento cujas principais reuniões aconteceram na Ebenezer Baptist Church, igreja que foi pastoreada pelo pai do Martin Luther King Jr. e onde ele foi ordenado ao ministério pastoral. Pertinho dali, no Martin Luther King Center, está sua sepultura, onde se pode ler as palavras com que encerrou aquele que seria seu sermão final: "Free at last! Free at last! Thank God Almighty, we are free at last".

   Há outros documentos e declarações da ALIANÇA BATISTA MUNDIAL sobre o tema, inclusive uma de 1992. Mas esse pacto, além de abrangente marcou o início de uma Década de Promoção da Justiça Racial (2000-2010), que oficialmente se encerra com o XX Congresso Batista Mundial em Honolulu, na próxima semana. Um livro marcou o início dessa campanha (Baptists Against Racism: United in Christ for Radical Reconciliation, BWA, 1999) e outro será lançado lá em Honolulu para marcar o final da mesma. Para quem pesquisa sobre o tema, há ainda um volume de 1993, não publicado, chamado Baptist World Alliance Report of Special Commission: Baptists Against Racism. Um dos responsáveis pela organização desse volume foi o presidente Jimmy Carter.

A Terceira Conversão de Richard Shaull



Posto aqui as palavras iniciais de um artigo meu sobre Richard Shaull e o que ele chamou de sua terceira conversão, publicado no blog da Revista Novos Diálogos.

"Richard Shaull contrastava um ideal firme e um senso de missão inabalável com uma tremenda capacidade de se deixar transformar por seus encontros com a vida, com as realidades e com as pessoas com quem pôde conviver. Ao lermos seus escritos notamos, por um lado, um senso de missão que parece acompanhá-lo desde a adolescência. A paixão pela justiça e a convicção de que Deus está vivo e ativo na história humana sempre marcaram tanto sua ação como sua reflexão."
"Neste artigo, gostaria de afirmar a relevância das últimas transformações experimentadas por Shaull, transformações que não alteraram o âmago da teologia que afirmou ao longo de sua vida. Suas últimas experiências e convicções, se bem entendidas, reafirmam as bases fundamentais da sua fé de forma ainda mais radical e numa nova linguagem. Nos seus escritos mais recentes, Shaull passou a usar com mais frequência termos como “conversão”, “transformação espiritual” e “aprofundamento da fé” para descrever algumas de suas experiências."


Leia o texto inteiro na Revista Novos Diálogos: http://www.novosdialogos.com/artigo.asp?id=215

domingo, 18 de julho de 2010

“ÉS E SERÁS”

Reviro antigos arquivos e encontro algumas das palavras mais significativas e empoderadoras que ja ouvi de alguem. Eu era ainda muito garoto, mas ja trabalhava duro e ajudava no sustento da casa. Naquele dia, o corpo  estava exausto, mas a alma, como sempre, inquieta e cheia de sonhos. Minha saudosa tia Noelia, escritora talentosa que partiu cedo demais, escreveu essa poesia enquanto observava meu sono, no dia  11 de novembro de 1988. Ate hoje, nunca a havia compartilhado em publico. Ao posta-la, lembro da tia Noelia com muito carinho e saudade, e lhe presto uma homenagem. Ao menos um pouco de seu espirito livre, visionario e inquiridor vive atraves de mim. Ate hoje me impressiona sua capacidade de ver muito alem do momento, muito alem do garoto dormindo. Sua alma de poeta enxergava mais longe do que qualquer um de nos poderia sequer imaginar.


“ÉS E SERÁS”

Dorme o guerreiro

Cansado

Das batalhas,

De lidar.

Verdes campos,

Sol aberto,

Chuva forte...

Estarão presentes

Neste teu caminhar?



Ou a procura

Constante,

Ora aqui,

Ora acolá,

É desejo tão

Distante,

Que, só teus filhos,

Adiante,

Poderão lá encontrar?



Abre a trilha,

Segue em frente,

Onde outros vão

Caminhar;

Destino de pioneiro,

Tu estás entre os primeiros

Para o futuro alcançar.



Teu caminho

Em rocha e fogo

Te trará muito pensar;

Mas é filho

Da esperança,

Tão puro

Como a criança,

Tão forte

Como o jaguar.



Noélia Gonçalves

A Oração da Serenidade

     No desenvolvimento do anti-catolicismo que se formou no evangelicalismo brasileiro, muitos deixaram de apreciar a riqueza e profundidade das orações escritas, por se parecerem com as “rezas” católicas, passando a apreciar somente as orações espontâneas, mesmo quando repetitivas e muito superficiais. Algumas orações públicas não podem nem contar na categoria de oração. São às vezes mais um sermão para os que estão em volta do que uma oração.

       Esquecemos, por exemplo, que muitos Salmos que lemos não são outra coisa senão orações escritas, guardadas por muitas gerações, e que continuam tendo um valor singular para a nossa espiritualidade. Pois bem, além das diversas orações que encontramos na Bíblia—que não estão lá simplesmente para serem repetidas, mas, sim, para serem oradas de novo, para se tornarem nossa própria oração quando nos identificamos com elas, e para inspirarem novas orações—há inúmeras outras orações escritas em diversos momentos da história que também têm um valor incomensurável para a nossa caminhada e para a nossa espiritualidade.

     Compartilho aqui uma oração que se tornou uma das mais apreciadas no mundo contemporâneo. Milhões de pessoas recitam ao menos parte desta oração quando participam de grupos dos Doze Passos (como o AA). Muitas outras pessoas simplesmente a utilizam no dia-a-dia, quando têm de enfrentar os problemas estressantes da vida. Esta oração é atribuída ao pastor e teólogo protestante Reinhold Niebuhr (1892-1971). As linhas iniciais da oração constituem parte de um sermão que ele pregou em 1934. Não se sabe, porém, se ele a formulou originalmente. É uma oração que inspira equilíbrio entre a aceitação da realidade e a coragem para transformá-la. Esta é uma oração que também tem inspirado a minha caminhada.


Oração da Serenidade


Concede-me, Senhor,

a serenidade necessária para aceitar as coisas

que eu não posso modificar;

coragem para modificar as que posso;

e sabedoria para distinguir uma das outras –

vivendo um dia de cada vez;

desfrutando um momento de cada vez;

aceitando as dificuldades

como um caminho para alcançar a paz;

considerando, como tu,

este pecador como ele é

e não como eu gostaria que fosse;

confiando que endireitarás todas as coisas

se eu me render à tua vontade –

para que eu possa ser moderadamente feliz nesta vida

e sumamente feliz contigo na eternidade.

O Problema Fundamental do Fundamentalismo

      Fundamentalismo não é uma religião, nem uma doutrina. Mais do que isso, é uma atitude, uma forma de ver a vida e o mundo. Está presente em todas as grandes religiões, mas também nas ideologias não religiosas. Costumamos associar o fundamentalismo ao islamismo porque o fundamentalismo islâmico foi eleito o principal inimigo atual do estilo de vida ocidental. Mas a primeira vez que o fenômeno fundamentalista foi identificado e descrito, isso se deu no contexto do cristianismo, no início do século XX. Há pessoas que enxergam o mundo cristão em termos maniqueístas: ou alguém é fundamentalista ou é liberal. Não entendem que no mosaico cristão, assim com no de outras religiões, há muito mais possibilidades de representação da fé. Mas o fundamentalismo continua “vivo e ativo no planeta terra.” Por isso, merece alguma reflexão.

     O que caracteriza a atitude fundamentalista é um apego absoluto à verdade, e a crença na posse dessa verdade. Quem tem acesso e posse da verdade absoluta não tem porque nem como dialogar com aquele que vê e pensa diferente, a não ser que essa conversa vise apenas a conversão do outro. A visão do fundamentalismo é rígida e intolerante. Não há espaços para dúvidas, ambigüidades, complexidade, pluralismo, contexto, nada disso. Qualquer dessas palavras pode trazer confusão às mentes incautas, e o fundamentalismo, que se vê como guardião da verdade, entende também que seu papel é exatamente o de proteger as mentes mais frágeis da perversão e da confusão causadas pelas outras formas de ver o mundo.

      As consequências de uma visão fundamentalista do mundo são nefastas. Por causa do seu apego cego à verdade, o fundamentalismo esquece o amor e alimenta o ódio, alimentando-se também dele. O ódio aos infiéis, aos liberais, aos ímpios, aos “sem identidade”, a todos aqueles que não formulam a fé a partir das mesmas premissas e convicções. Obviamente, o ódio é travestido de amor: amor a Deus, amor à verdade e amor aos “perdidos”. Mas no fim das contas, o ódio continua sendo o combustível da fé fundamentalista, pois em nome de Deus e do amor pessoas são discriminadas, marginalizadas e assassinadas tanto  moralmente como fisicamente. Basta ver o que acontece quando alguém questiona as premissas básicas da forma como um fundamentalista vê a fé. Como guardião da verdade, o fundamentalismo toma posse da “verdadeira interpretação” da revelação divina. Quem questiona sua interpretação precisa ser desqualificado.

     Apesar do fundamentalismo estar tão perto de nós, tão entre nós, tão presente na hipocrisia da nossa sociedade ou no seio das igrejas cristãs, é preciso deixar claro que ele não é genuinamente cristão. Usa o cristianismo, mas não é cristão. Nas orígens do cristianismo, a verdade não é um conceito, ou uma doutrina, mas uma pessoa, que encarna uma forma viva e dinâmica de relacionamento com Deus, com a vida, com as pessoas, com a natureza e com a sociedade em geral. Essa pessoa, cuja vida, morte e ressurreição se encontram na base da fé cristã,  afirma que o amor é a maior característica de Deus. Aliás, um de seus seguidores, ao tentar definir Deus simplesmente diz, “Deus é amor”! Num mundo tão carente do amor de Deus, precisamos amar as pessoas mais do que as nossas verdades. Assim, talvez, possamos entender melhor a proposta de Jesus de vencer o ódio,  a discriminação, a violência e a injustiça através do amor.

Um Cantinho para Compartilhar

Relutei muito iniciar um blog. Mas, enfim, decidi me aventurar. Criar um espaco para compartilhar pensamentos, ideias, viagens, experiencias, em suma, a vida em geral. Estou chamando-o de Canto da Liberdade porque aqui desejo me manifestar livremente, dentro das possibilidades da liberdade, ja que liberdade eh sempre algo relativo, pode acreditar. Ainda mais quando decidimos partilhar a vida com outros. No momento em que abrimos espacos para o outro, limitamos nossa propria liberdade. Essa eh a regra do convivio social e supostamente da democracia. Liberdade deve existir para todos. Portanto, no convivio social, para que todos sejam livres, voluntariamente abrimos mao de uma porcao da nossa propria liberdade. Isso ja eh um tema em si que da muito pano-pra-manga. Certamente, nos blogs por vir, conversaremos mais sobre conceitos de liberdade, de paz e de justica. Alias, esses sao temas que definem meu proprio trabalho atualmente. E, muitas vezes, provocam certos dilemas e aparente contradicoes. A escolha pela liberdade como tema tambem tem a ver com um sentido de vocacao que me impulsiona a resistir a opressao em suas mais variadas formas, bem como com minha crenca na existencia de um Deus que pode ser chamado de libertador, e que nos estimula e chama a participar dos esforcos pela libertacao dos oprimidos. Finalmente, Liberdade eh um bairro da minha cidade natal, Salvador. Um bairro caracterizado pela constante luta contra a opressao racial, social e economica. Ao homenagear esse bairro, fico mais perto de casa, das minhas origens, do lugar das minhas memorias mais tenras, ja que cresci perto dali. Por estar vivendo no exterior e muitas vezes ter de postar de computadores "set up" em lingua que nao a nossa, sempre que necessario, como nesse post, tomarei a liberdade de postar textos sem acentos, usando a letra "h" para diferenciar o presente indicativo da terceira pessoa singular do verbo "ser" da conjuncao "e". No mais, a ausencia de acentos nao produzira muita confusao. Em alguns momentos, posso tambem compartilhar textos em ingles. Pretendo postar textos antigos e novos. Nao vou, porem, somente me ater a assuntos serios. As vezes, postarei apenas o relato de uma viagem, ou comentarei um filme assistido, uma situacao engracada ou uma partida de futebol. Nesse sentido tambem, pretendo escrever sem amarras. Suas contribuicoes serao bem vindas, e tentarei responde-las na medida do possivel. Espero gostar o suficiente dessa aventura para permanecer empolgado com ela por muito tempo, e para aprimora-la com o passar do tempo. Aqui comeco as minhas mal-tracadas linhas no mundo do blog.